Coleção de Febre Amarela
A coleção de febre amarela (CFA) é composta por 498 mil casos (amostras de fígado coletadas por viscerotomia entre as décadas de 1930 e 1970). Cada caso apresenta-se como uma peça conservada em formol, um bloco parafinado e corte(s) histológico(s) corado(s) em lâmina(s). Acompanha esse material uma vasta documentação escrita, impressa e iconográfica, composta, principalmente, de protocolos de pesquisas, registros de casos, fichas com laudos de histopatologia, além de fotos de indivíduos ou locais de coleta. Essa documentação encontra-se sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz.
Armário de blocos
Gaveta do armário de lâminas
A Coleção de Febre Amarela (CFA) corresponde ao acervo gerado pelo Laboratório de Histopatologia implantado em 1931, quando o contrato entre o governo Brasileiro e a Fundação Rockfeller foi renovado, e os norte-americanos, através do Serviço Cooperativo da Febre Amarela, assumiram a responsabilidade pela campanha anti-amarílica em quase todo o país.
As campanhas anteriores de combate à moléstia foram reformuladas. O diagnóstico post mortem, associado ao diagnóstico retrospectivo dos sobreviventes, ganhou espaço. As inovações introduzidas pelo diretor da Rockfeller, Fred Soper, como a viscerotomia e os testes de proteção em camundongos, ampliaram as possibilidades de comprovação da febre amarela (FA) no país.
Detalhe dos blocos na caixa
Detalhe das lâminas
Nesse Serviço, um fragmento de cada viscerotomia era convertido em um bloco de parafina que, por sua vez, dava origem a lâminas para diagnóstico. Assim, uma coleção única começou a ser formada, sendo armazenada no Laboratório de Histopatologia, em Manguinhos.
Terminado o convênio com a Fundação Rockfeller em 1939, o governo federal continuou a campanha criando o Serviço Nacional de Febre Amarela (SNFA) nas mesmas instalações no campus de Manguinhos. Em 1949, todo o acervo do Laboratório de Histopatologia da Febre Amarela do SNFA foi transferido para o Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Por conta da crise que o Instituto atravessou nas décadas de 1960 e 1970, parte do acervo correspondente a blocos e lâminas se deteriorou ou foi perdido. Por outro lado, todo o material formolizado foi preservado.
Foto do prédio que abrigava o Laboratório de Histopatologia da Febre Amarela que fazia todo o trabalho de pesquisa, diagnóstico e produção da vacina contra a febre amarela no campus do Instituto Oswaldo Cruz.
A seção de viscerotomia do Laboratório de Febre Amarela, construído pela Fundação Rockefeller em colaboração com o governo brasileiro, entre 1933 e 1935 em Manguinhos. Este laboratório recebia, processava e examinava as amostras de fígado de toda a América do Sul, para diagnóstico dos casos suspeitos de febre amarela. Nas garrafas, em cima da mesa, estão armazenadas o referido material. Foto do laboratório da seção de viscerotomia tirada em 1937.
Acompanha esse material biológico uma vasta documentação escrita, impressa e iconográfica, composta, principalmente, de protocolos de pesquisas, registros de casos da doença, fichas com laudos da histopatologia, além de fotos de indivíduos e locais de coleta. Esses documentos refletem as atividades desenvolvidas para erradicação da FA urbana no Brasil e foram organizados pelo Departamento de Arquivo e Documentos da Casa de Oswaldo Cruz (COC) – Fiocruz. Como pode ser visto, é uma coleção de obras raras e únicas de valor inestimável.
Devido à sua magnitude, está alocada em dois prédios da Fiocruz sendo que o acervo material (498 mil amostras) fica no Pavilhão Lauro Travassos, sob responsabilidade do Laboratório de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz, enquanto os documentos se encontram em salas com controle de temperatura e umidade, no Prédio da Expansão, a cargo do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.
Contribuição Pregressa
Dentre as várias contribuições do Serviço Cooperativo da Febre Amarela, do Laboratório de Histopatologia da Febre Amarela e do Serviço Nacional de Febre Amarela para a ciência nacional podemos citar:
- Com a criação do Laboratório de Histopatologia da Febre Amarela, sediado no campus de Manguinhos, ocorre a unificação do material coletado no Brasil pelos laboratórios pioneiros no Nordeste com as amostras coletadas por viscerotomia provenientes a partir de 1931, de todo o Brasil e de países vizinhos, dando origem à atual Coleção de Febre Amarela;
- Invenção do Fuso Parreira Genofre (1930) e em seguida aprimoramento deste pelo Dr. E. R. Rickard, sendo denominado viscerótomo (patenteado por Soper em 1930 em nome do Dr. João Tomás Alves). A aplicação do viscerótomo permitiu que indivíduos leigos coletassem material de pessoas suspeitas de terem morrido de febre amarela com a menor violação possível do cadáver. Isso foi muito importante para minimizar a resistência à viscerotomia devido a fatores culturais e religiosos encontrados no Brasil que já eram enfrentados por médicos brasileiros (Franco, 1969).
- Duas novas técnicas laboratoriais foram desenvolvidas e implantadas no Brasil: a viscerotomia e os testes de proteção em camundongos, que ampliaram as possibilidades de diagnóstico da febre amarela;
- Embora estivesse direcionado para a febre amarela, o serviço de viscerotomia possibilitou a descoberta e o mapeamento de várias outras doenças: Henrique Penna ao examinar lâminas dadas como negativas para febre amarela por outros patologistas, deparou-se com uma lesão intrigante que ele verificou tratar-se de um caso de leishmaniose visceral, também conhecida por Calazar. Foi o primeiro relato desta doença no Brasil, o que rendeu a Penna a publicação da descoberta na revista Brasil Médico (1934, 48: 949-950).
- Mapeamento detalhado dos casos de febre amarela, da presença do vetor e das condições de vida dos brasileiros, formando um retrato bem documentado da situação socioeconômica da época e dos problemas enfrentados pela Campanha de combate à febre amarela. Esse mapeamento permitiu o estudo sistemático da população e o ambiente em seu conjunto;
- Identificação de milhares de espécimes de mosquitos e outros artrópodes capturados pelo Serviço de Febre amarela;
Material instrucional produzido e divulgado pelo serviço de Febre Amarela com o intuito de orientar as ações dos viscerotomistas.
Representação esquemática do viscerótomo.
- Estudos denfecções adquiridas ou artificialmente induzidas em insetos, aves e mamíferos suspeitos de "hospedarem os vírus que grassavam nas matas" (Benchimol, 2001). Em conseqüência disso foram feitos entendimentos entre a Fundação Rockefeller e o Instituto Oswaldo Cruz para a realização de pesquisas nas áreas de procedência daquele material. Evandro Chagas logo dirigiu-se ao Ceará e a Sergipe, focos principais da endemia, encontrando em Aracajú o primeiro caso "in vivo" no país. Percorreu as áreas de procedência dos casos positivos à viscerotomia, buscando apoio dos respectivos governos para montar uma base de operações, de preferência no Ceará, onde era maior a incidência. Mas só encontrou esse apoio no Pará, onde a doença era rara e esporádica. Mesmo assim, foi ali realizada uma abordagem integral tão bem sucedida que resultou na fundação de uma instituição de pesquisa para estudo da nosologia regional, o Instituto de Patologia Experimental do Norte, atual Instituto Evandro Chagas. O Laboratório de Histopatologia recebia amostras para confirmação do diagnóstico de febre amarela de várias partes do mundo, tendo-se registros de laudos firmados relativos a malária, esquistossome, leishmaniose, moléstia de Lutz, drepanocitose, atrofia hepática e outras doenças que estavam associadas a lesões no fígado; Em um estudo retrospectivo com viscerotomias hepáticas (coletadas entre 1934 e 1940) obtidas a partir do material da Coleção de Febre Amarela, Dias e Coura conseguiram comprovar que casos típicos de "Febre negra" ou Hepatite de Lábrea estavam presentes entre aqueles estudados por Madureira Pará e outros patologistas que atuaram por longos anos no estudo de viscerotomias hepáticas no extinto Serviço Nacional de Febre Amarela (Instituto Evandro Chagas, 1986). Este trabalho foi publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo no ano de 1985 (27(5):242-8). Portanto, o acervo da CFA abriga os primeiros casos de Febre de Lábria ocorridos em território nacional.
- Descoberta e descrição do ciclo epidemiológico silvestre da febre amarela;
- Erradicação da febre amarela urbana a partir de 1933-34 e o registro dos últimos casos de transmissão derivada da forma silvestre, mas transmitida pelo Aedes aegypti em Sena Madureira (Acre), no começo de 1942;
- Estabelecimento do Serviço de Vacinação subordinado à diretoria do Serviço de Febre Amarela para a aplicação da vacina anti-amarílica em larga escala no Brasil;
- No Laboratório de Febre Amarela no Rio de Janeiro foram realizados os estudos para se verificar se o Aedes aegypti podia se infectar picando indivíduos vacinados e se transmitiria o vírus vacínico a séries de macacus Rhesus. Os resultados foram apresentados na X Conferência Sanitária Pan Americana (1928) quando Soper declarou que tinham fracassado as tentativas de infectar o mosquito, fazendo-o picar pessoas e macacos inoculados com a vacina;
- Em março de 1937, foi inaugurado o Laboratório do Serviço Especial de Profilaxia da Febre Amarela, responsável pela produção nacional de vacina contra febre amarela (amostra 17D). Hugo Smith e Henrique de Azevedo Penna fizeram modificações importantes na técnica de produção da vacina visando incrementar o rendimento em várias fases do processo de produção;
- Estudos realizados em 1939 por Soper, Smith e Penna fixaram em 255 o número máximo de passagens em sistema biológico para a preparação da vacina anti-amarílica, resolvendo um problema de reações adversas graves na população que estava sendo vacinada (Benchimol, 2001);
- Em 1940, em Pouso Alegre (MG) foi iniciado um estudo sobre a duração da imunidade proporcionada pela vacinação anti-amarílica (cooperação entre a Fundação Rockefeller e o Serviço Nacional de Febre Amarela) onde foi possível acompanhar as pessoas que foram vacinadas por mais de 20 anos mostrando que 85% dessas pessoas vacinadas na época de Soper conservavam os anticorpos contra a febre amarela (Benchimol, 2001).
Missão e Visão
Missão:
Promover a salvaguarda do Patrimônio material referente ao acervo denominado "Coleção de Febre Amarela do Instituto Oswaldo Cruz", gerado a partir de amostras de fígado coletadas durante as décadas de 1930 e 1970, procedentes de todo o Brasil e de alguns países vizinhos, inclusive promovendo a divulgação científica desta Coleção, bem como a busca por fomento e colaborações para a pesquisa científica em seu acervo, tanto biológico como documental.
Visão:
Re-estruturar, organizar e modernizar o acervo da Coleção de Febre Amarela transformando-a em um espaço não-formal de ensino-aprendizagem que permita a fruição dos conhecimentos científicos para os visitantes e fomente a pesquisa pluridisciplinar neste acervo, suscitando parcerias nacionais e internacionais.